sábado, 5 de setembro de 2009

Reproduzo artigo maravilhoso de Lya Luft!!!

Brasileiro não gosta de ler?
(Lya Luft)

Não é a primeira vez que falo nesse assunto, o da quantidade assustadora de analfabetos deste nosso Brasil. Não sei bem a cifra oficial, e não acredito muito em cifras oficiais. Primeiro, precisa ser esclarecida a questão do que é analfabetismo. E, para mim, alfabetizado não é quem assina o nome, talvez embaixo de um documento, mas quem assina um documento que conseguiu ler e... entender. A imensa maioria dos ditos meramente alfabetizados não está nessa lista, portanto são analfabetos - um dado melancólico para qualquer país civilizado. Nem sempre um povo leitor interessa a um governo (falo de algum país ficcional), pois quem lê é informado, e vai votar com relativa lucidez. Ler e escrever faz parte de ser gente.
Sempre fui de muito ler, não por virtude, mas porque em nossa casa livro era um objeto cotidiano, como o pão e o leite. Lembro de minhas avós de livro na mão quando não estavam lidando na casa. Minha cama de menina e mocinha era embutida em prateleiras. Criança insone, meu conforto nas noites intermináveis era acender o abajur, estender a mão, e ali estavam os meus amigos. Algumas vezes acordei minha mãe esquecendo a hora e dando risadas com a boneca Emília, de Monteiro Lobato, meu ídolo em criança: fazia mil artes e todo mundo achava graça.
E a escola não conseguiu estragar esse meu amor pelas histórias e pelas palavras. Digo isso com um pouco de ironia, mas sem nenhuma depreciação ao excelente colégio onde estudei, quando criança e adolescente, que muito me preparou para o mundo maior que eu conheceria saindo de minha cidadezinha aos 18 anos. Falo da impropriedade, que talvez exista até hoje (e que não era culpa das escolas, mas dos programas educacionais), de fazer adolescentes ler os clássicos brasileiros, os românticos, seja o que for, quando eles ainda nem têm o prazer da leitura. Qualquer menino ou menina se assusta ao ler Macedo, Alencar e outros: vai achar enfadonho, não vai entender, não vai se entusiasmar. Para mim esses programas cometem um pecado básico e fatal, afastando da leitura estudantes ainda imaturos.
Como ler é um hábito raro entre nós, e a meninada chega ao colégio achando livro uma coisa quase esquisita, e leitura uma chatice, talvez ela precise ser seduzida: percebendo que ler pode ser divertido, interessante, pode entusiasmar, distrair, dar prazer. Eu sugiro crônicas, pois temos grandes cronistas no Brasil, a começar por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, além dos vivos como Verissimo e outros tantos. Além disso, cada um deve descobrir o que gosta de ler, e vai gostar, talvez, pela vida afora. Não é preciso que todos amem os clássicos nem apreciem romance ou poesia. Há quem goste de ler sobre esportes, explorações, viagens, astronáutica ou astronomia, história, artes, computação, seja o que for.
O que é preciso é ler. Revista serve, jornal é ótimo, qualquer coisa que nos faça exercitar esse órgão tão esquecido: o cérebro. Lendo a gente aprende até sem sentir, cresce, fica mais poderoso e mais forte como indivíduo, mais integrado no mundo, mais curioso, mais ligado. Mas para isso é preciso, primeiro, alfabetizar-se, e não só lá pelo ensino médio, como ainda ocorre. Os primeiros anos são fundamentais não apenas por serem os primeiros, mas por construírem a base do que seremos, faremos e aprenderemos depois. Ali nasce a atitude em relação ao nosso lugar no mundo, escolhas pessoais e profissionais, pela vida afora. Por isso, esses primeiros anos, em que se aprende a ler e a escrever, deviam ser estimulantes, firmes, fortes e eficientes (não perversamente severos). Já se faz um grande trabalho de leitura em muitas escolas. Mas, naquelas em que com 9 ou 10 anos o aluno ainda não usa com naturalidade a língua materna, pouco se pode esperar. E não há como se queixar depois, com a eterna reclamação de que brasileiro não gosta de ler: essa porta nem lhe foi aberta.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Mel para a alma... Pra começar o dia...

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.


Cecília Meireles

sábado, 15 de agosto de 2009

BOA PERGUNTA!


Quarta, 12 de Agosto de 2009, 18h00
Que bicho será o livro no futuro?

O assunto é apenas aparentemente chato e está movimentando quem pensa no futuro da leitura no Brasil - hoje. Depois de afirmar na cerimônia de lançamento do vale-cultura e também no programa semanal Café com o presidente que o governo está se esforçando para levar a cultura a todos, mas o setor editorial "não ajuda", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu uma resposta dura, em números de associações que representam o setor.O estudo feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP, a pedido do Sindicato Nacional dos Editores e Livreiros e da Câmara Brasileira do Livro, aponta que o preço do livro caiu nos últimos anos: 24,5% nos didáticos; 22,4% nas obras gerais (ficção e não-ficção); 38% nos religiosos e 23,3% nos livros científicos, técnicos e profissionais.Como mostra o Prosa Online, o governo não está totalmente de acordo com esses números e já pergunta "quem sente essa redução de preço quando vai à livraria?". O debate chega no exato momento em que o governo propõe taxar em 1% a receita de editores distribuidores e livreiros para financiar o Fundo Pró-Leitura, que vai financiar diversas ações de incentivo à leitura, como informa a Folha de S. Paulo.Alguns, contudo, veem o buraco muito mais embaixo. André Forastieri, que já foi editor da Conrad e da Pixel, é um dos que olham os números e enxergam um futuro negro para o livro - embora não necessariamente para a literatura. Um trecho:
[Em 2009,] as vendas de livros caíram 10% no segundo trimestre de 2009, com relação ao mesmo período de 2008. Agora, lustro minha bola de cristal e prevejo: não sobe mais. Daqui para frente, é ladeira abaixo. Porque as pessoas não leem mais. Têm muitas outras coisas divertidas para fazer. Inclusive escrever em tantos blogs, twitters e tal. Porque quem lê, lê de maneira diferente - quebrado, online, múltiplas vezes.
Para ele, além dessa mudança na forma de ler, sobre a qual já falamos de passagem aqui, há uma "questão maior":
É a área de didáticos, paradidáticos e técnico/científicos. Quase metade do total de livros vendidos em 2008. Com a chegada de um computador por aluno - ele chegará, não hoje nem amanhã, mas o processo já começou e não tem volta - não existe nenhuma justificativa para jogar essa dinheirama fora imprimindo 100 milhões de exemplares.
A argumentação está, pelo menos nesse ponto, alinhada com o que diz a pesquisa dos editores, que afirmam que sem as compras do governo, 2008 não seria o ano bom que aparenta: o crescimento de quase 10% emagrece para menos de 2%. As ideias de Forastieri podem ser tresloucadas, acertadas ou um pouco das duas. Fugir do debate é a única alternativa perigosa. E você, como acha que vai estar lendo no futuro?
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Hum... Boa pergunta! Sem dúvida nenhuma, a melhor solução é utilizar a internet como suporte de leitura e produção textual, já que novos gêneros textuais surgiram com esse advento. Pode até ser que futuramente não exista justificativa para se imprimir mais exemplares, mas isso não significa o fim dos livros. Há uma mudança no suporte. A tecnologia está aí, graças a Deus, não adianta fugir. Vamos renovar!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

"Resistência - A história de uma mulher que desafiou Hitler", de Agnès Humbert

"As mulheres sempre perdem a guerra. Não a querem, mas a perdem. Perdem quando estão no caminho dos exércitos e se tornam botim. Perdem quando batalham em silêncio nas cidades esvaziadas dos seus homens, para manter sólida a retarguada e conservar a ordem do país. Perdem quando recebem seus homens num caixão ou quando eles voltam com o equilíbrio despedaçado [...]. O livro de Agnès, entretanto, consegue não ser um livro de perdas. Eu diria até que é um livro de conquistas. Quando se é obrigada a passar seis semanas sem trocar a roupa íntima, proibida de lavá-la e praticamente sem lavar-se, quando os piolhos infestam a cabeça e a fome devora o estômago, manter a dignidade é uma conquista diária" (Marina Colasanti)


Comprei este livro por seu título instigador.
Quem teria sido essa mulher com tamanha força e coragem para desafiar esta personalidade constatadamente sanguinária, violenta? Acho que me identifiquei um pouco com o título da história, talvez tenha me reconhecido um pouco nesse ato de resistir, de questionar e, por isso, decidi ler sua história. Achei que valeria a pena lê-la.
Mistura de diário pessoal e relato histórico, Resistência - A história de uma mulher que desafiou Hitler, de Agnès Humbert, mostra a derrocada da França diante do Nazismo, a ocupação de Paris e a atuação de Agnès no movimento de resistência a Hitler e suas idéias. Uma história densa, triste em alguns momentos, mas retrato verídico de uma época histórica que merece ser lembrada como exemplo do que NÃO se deve repetir. Uma narrativa feminina, sensível, e-m-o-c-i-o-n-a-n-t-e!
A precisão do relato da autora, que manteve um diário pessoal durante o início da ocupação de Paris pelas tropas nazistas, surpreende. Como milhões de franceses, Agnès conheceu o êxodo, o colapso de sua França, a prostração de seu povo, a tortura e a humilhação, mas não se deixou abater. Enquanto pode, junto com um grupo de amigos, redigiu e divulgou idéias revolucionárias contra Hitler no jornal Resistência, sempre movida pela esperança de que aquela realidade pudesse ser modificada.
Quando descoberta, foi presa e condenada a uma prisão feminina de trabalhos forçados. Ali conheceu, em suas próprias palavras, "um drama atrás do outro". Mas, figura feminina forte que era, sempre conseguiu ver beleza nas situações pelas quais passava. Tinha olhos de artista... No trajeto para o trabalho, por exemplo, conseguia perceber a beleza da arquitetura local, a beleza das flores... Fazia uma descrição exemplar, analisava. Como alguém conseguia encontrar beleza num momento tão desprezível? Como leitora, me questionei sobre isso. Descobri que a beleza estava dentro de Agnès, impossível não percebê-la.
Durante quatro anos, a autora ficou presa. Quatro anos relatados com muito sentimento. Me impressionou. Principalmente porque se trata de uma mulher, figura historicamente marcada pela submissão, pela ausência de direitos, pela fragilidade, embora, felizmente, os tempos tenham mudado e a realidade atual seja outra.
Que bom que existem mulheres assim! Um livro que merece ser lido!

domingo, 19 de julho de 2009

Sonho Quixotesco!

Pois é, não pude resistir e tirei uma foto ao lado do personagem mais encantador da história da literatura mundial: Don Quijote de la Mancha! (risos) Ainda espero encontrar Rocinante e Sancho Panza!

"El que lee mucho y anda mucho, ve mucho y sabe mucho." (Don Quijote)






quarta-feira, 13 de maio de 2009

Vou embora para Guernsey!

Soube deste livro através de uma ex aluna, hoje querida amiga, que em seu blog “Ideias e Livros” atiçou minha curiosidade, comentando de seu texto fascinante. Gostei do título: A SOCIEDADE LITERARIA E A TORTA DE CASCA DE BATATA. Achei “diferente”, “interessante”. O que teria uma sociedade literária a ver com uma torta de casca de batata? Fiquei curiosa...

Então, o que fiz? Comprei o livro! Na pior das hipóteses, provavelmente conseguiria a receita de uma torta deliciosa...

Foi uma das melhores decisões que tomei neste ano. Escrito por Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, tia e sobrinha respectivamente, e publicado pela editora Rocco em 2009, o livro conta a história de Juliet Ashton, uma escritora em busca de um tema para seu próximo livro. Ela acaba encontrando-o na carta de um desconhecido de Guernsey (uma ilha britânica no Canal da Mancha ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial) que entra em contato com a escritora para fazer uma consulta bibliográfica. Tem início aí uma intensa troca de cartas, a partir da qual Juliet toma conhecimento da criação de um clube de leitura, formado pelo desconhecido e seus amigos durante e por causa da guerra. Os hábitos da ilha, o impacto da guerra e a importância da literatura na vida dos moradores locais, assuntos das cartas trocadas, fascinam a escritora.

A história de Guernsey e de seu período como um território ocupado pelos nazistas é contada pelos próprios moradores da ilha, o que nos faz compreender melhor as suas realidades. Dawsey, Isola, Amelia, Eli, Ebben, Sidney, Sophie, Kit e Elizabeth... Quantas histórias! A narrativa por cartas (romance epistolar) nos deixa profundamente íntimos de cada personagem. Quis ter estado em Guernsey com eles, não pela ocupação, mas pelas reuniões da Sociedade Literária. Queria ter conhecido aquelas pessoas, falado dos livros que gosto, provado a torta de casca de batata feita por Will Thisbee para os encontros; desejei ter brincado com Kit, ganhar uma escultura de madeira feita por Eli e até ter provado os elixires de Isola! Queria ter feito parte da história. Seriam todos grandes amigos, tenho certeza. Agora tenho saudades...

Ainda sinto o livro ecoando dentro de mim. Uma história fascinante, sensível, com senso de humor apesar do tema controverso, bem escrita, contada por pessoas que passaram a amar os livros, seu refúgio em momentos difíceis na guerra. Livros que se tornaram pão do espírito. Livros que uniram pessoas.

Por isso tudo, não poderia deixar de comentar sobre este texto e recomendá-lo a vocês. Vale a pena! Já não sou a mesma depois que o li. Quero ir para Guernsey!

quarta-feira, 29 de abril de 2009

DE REPENTE O PRANTO FEZ-SE RISO...!


Pois é, depois de um fim e início de semana doente, sentindo os efeitos de uma gastroenterite infecciosa, retorno às postagens aqui no blog, comentando de uma outra doença, esta respiratória: A GRIPE SUÍNA.

O mundo inteiro está assustado com o surto da doença e seus riscos. Assunto de todos os noticiários, programas de TV, imprensa escrita, escolas, residências, enfim, não se fala em outra coisa. E não é pra menos: a doença se alastra pelas regiões afetadas (México, EUA) e é difícil contê-la. Num mundo em que o lema é a GLOBALIZAÇÃO, como "convencer" o vírus influenza causador da doença a ficar isolado?

Medidas de proteção, tais como uso de máscaras, lavagem das mãos com freqüência, monitoramento de pessoas vindas de áreas infectadas e seu isolamento, são tomadas em diversos países no mundo, inclusive no Brasil. Sim, no Brasil. E todos nós ficamos muito traquilos com a eficácia dessas medidas protetivas em nosso país, haja vista as recentes experiências com o surto de Dengue e os resultados eficazes obtidos. (?!) Ah, o governo declarou que se houver epidemia há remédios e leitos separados nos hospitais pra todo mundo. Ufa! ... Isso é sério?

Por isso, nesta manhã de recuperação para mim e para muitas pessoas também, a melhor receita é o RISO. RIR É SEMPRE O MELHOR REMÉDIO. É verdade! Inúmeros estudos de Universidades Americanas e Brasileiras (Universidade de Wisconsin, Maryland e Unicamp, por exemplo) comprovam que ser bem-humorado significa perceber que a maior parte das situações que vivemos não é nem muito importante, nem muito séria, nem muito grave. Rir oxigena o sangue e faz pensar melhor. Quem é mais triste apresenta uma atividade maior na parte frontal direita do córtex cerebral. Isso mexe com os neurotransmissores, as substâncias produzidas e liberadas ali, e reduz a produção de células de defesa do organismo. Assim, o bom humor é uma forma descontraída de prevenir gripes e resfriados. (...) Huuuuummmm...

... Opa! Seria essa a solução? :)


Bom, como adoro a transformação de sofrimento em arte, achei que a charge acima, de autoria de Amarildo, feita originalmente para A Gazeta, poderia ser um bom início de tratamento. Decidi, então, compartilhá-la com vocês. Espero que gostem. Até! :)

ENQUANTO ISSO...

Charge de autoria de Frank, para o A Notícia.

Só rindo mesmo... VIVA A NOSSA RECUPERAÇÃO! :)

Sabe que até me deu pena do Rex?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Inauguração do blog comestível!

Fico muito feliz por inaugurar este blog numa data tão especial como esta, Dia Mundial do Livro! O livro que tem, aproximadamente, seis mil anos de história para ser contada e que foi, historicamente, o maior instrumento de difusão do conhecimento.

É o dia em que comemoramos a palavra e todo o seu poder. E minha maneira de comemorá-lo foi criar este blog, no qual dividirei com vocês minhas impressões do mundo e da arte. Deu vontade, escrevo aqui. Que bom, né? Estar sempre proseando...

O blog não deixa de ser um livro, mas construído no ambiente virtual, no qual publicamos histórias, imagens, idéias. E eu espero conseguir tornar este em especial capaz de prender sua atenção e motivá-lo, quem sabe, a escrever também.

Escrever liberta a alma e alimenta. Liberta a minha alma e me alimenta. Isso me faz lembrar uma passagem do livro A Reforma da Natureza, de Monteiro Lobato, no qual a personagem Emília tem uma idéia genial a respeito da feitura dos livros: torná-lo comestível. Em cada página, um sabor diferente... assim, segundo a boneca mais falante que existe, "o livro pode ter entrada em todas as casas, seja dos sábios, seja dos analfabetos." Que delícia!

Viva a Emília!
Viva ao livro!
E viva a este blog também! Que a cada dia seu sabor seja inesquecível...





Segue o trecho do livro A Reforma da Natureza, no qual Emília expressa sua idéia brilhante...



“– [...] Que acha que devemos fazer para a reforma dos livros?

A Rãzinha pensou, pensou e não se lembrou de nada.

- Não sei. Parecem-me bem como estão.

- Pois eu tenho uma idéia muito boa – disse Emília. – Fazer o livro comestível.

- Que história é essa?

- Muito simples. Em vez de impressos em papel de madeira, que só é comestível para o caruncho, eu farei os livros impressos em um papel fabricado de trigo e muito bem temperado. A tinta será estudada pelos químicos – uma tinta que não faça mal para o estômago. O leitor vai lendo o livro e comendo as folhas; lê uma, rasga-a e come. Quando chega ao fim da leitura, está almoçado ou jantado. Que tal?

A rãzinha gostou tanto da idéia que até lambeu os beiços.

- Ótimo, Emília! Isto é mais que uma idéia-mãe. E cada capítulo do livro será feito com papel de um certo gosto. As primeiras páginas terão gosto de sopa; as seguintes terão gosto de salada, de assado, de arroz, de tutu de feijão com torresmos. As últimas serão as da sobremesa – gosto de manjar-branco, de pudim de laranja, de doce de batata.

- E as folhas do índice – disse Emília – terão gosto de café, serão o cafezinho final do leitor. Dizem que o livro é o pão do espírito. Por que não ser também pão do corpo? As vantagens seriam imensas. Poderiam ser vendidos nas padarias e confeitarias, ou entregues de manhã pelas carrocinhas, juntamente com o pão e o leite.

- Nem precisaria mais pão, Emília! O velho pão viraria livro. O Livro-Pão, o Pão-Livro! Quem souber ler lê o livro e depois come; quem não souber ler come-o só, sem ler. Desse modo o livro pode ter entrada em todas as casas, seja dos sábios, seja dos analfabetos. Otimíssima idéia, Emília!

- Sim – disse esta muito satisfeita com o entusiasmo da Rã. – Porque, afinal de contas, isso de fazer os livros só comíveis para o caruncho é bobagem – podemos fazê-los comestíveis para nós também.

- E quem essa idéia a você, Emília?

- Foi o raciocínio. O livro existe para ser lido, não é? Mas depois que o lemos e ficamos com toda a história na cabeça, o livro se torna uma inutilidade na casa. Ora, tornando-se comestível, diminuímos uma inutilidade.

- E quando a gente quiser reler um livro?

- Compra outro, do mesmo modo que compramos outro pão todos os dias.

A idéia, depois de discutida em todos os seus aspectos, foi aprovada, e Emília reformou toda a biblioteca de Dona Benta. Fez um papel gostosíssimo e de muito fácil digestão, com sabor e cheiro bastante variados, de modo que todos os paladares se satisfizessem. Só não reformou os dicionários e outros livros de consulta. Emília pensava em tudo.” (p.37-38).



(Fonte: LOBATO, Monteiro. A reforma da natureza. São Paulo: Globo, 2008. 72p)